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Como a mente pode ser física? | Teoria Computacional da Mente

Falar sobre “a matéria da mente” é complicado. Não é atoa que durante a maior parte da história da humanidade a mente pareceu algo imaterial, não-físico. Ainda parece para a maior parte das pessoas, na verdade.

Por essa visão da mente como algo imaterial, não-físico, etéreo, situado sabe-se-lá-onde, um grande problema na compreensão da psicologia (como foi para mim), venho falando muito sobre isso ultimamente.

A propósito, sobre a ideia de mente de Descartes:

O dualismo de substâncias proposto por Descartes, o dualismo que divide o mundo em res cogitans e res extensa é, hoje em dia, considerado por muitos como sendo uma doutrina obsoleta. O século XX é considerado por muitos como trazendo a marca do triunfo do monismo materialista como opção teórica de quase todos os filósofos deste século.”

Do livro Mente, cérebro e cognição, do João de Fernandes Teixeira ( um dos maiores nomes em Filosofia da Mente no Brasil)

Você pode ainda estar achando difícil de pegar essa ideia. Um exemplo vai te ajudar a, pelo menos, conseguir ver como a mente pode ser física.

Antes de década de 1950, era muito difícil pensar na mente como algo físico, material, “palpável”. Este é um dos motivos pelos quais a psicologia (especialmente a americana) foi dominada por algumas décadas pelo Behaviorismo, uma perspectiva que foca no comportamento, e não nos processos mentais. O mentalismo foi visto como um problema (e ainda é, já que a maioria das pessoas ainda acredita que falar em mente é falar de algo imaterial e não-científico).

A partir da década de 1950, acontece a Revolução Cognitiva na Psicologia. Com isso, a forma como pensamos a mente mudou.

No seu livro Tabulsa Rasa, Steven Pinker explica e exemplifica isto.

Ele começa com uma primeira ideia básica:

O mundo mental pode ser alicerçado no mundo físico pelos conceitos de informação, computação e feedback“.

Seguindo, ele diz que “a revolução cognitiva unificou o mundo das ideias com o mundo da matéria”, e exemplifica falando sobre a materialidade de processos mentais como crenças, lembranças, pensamento, planejamento, desejo e tentativa:

“Crenças e lembranças são coleções de informações – como fatos em um banco de dados, porém residindo em padrões de atividade e estrutura no cérebro. Pensar e planejar são transformações sistemáticas desses padrões, como a operação de um programa de computador.”

Algo interessante a se acrescentar aqui é que neurônios funcionam de forma parecida com um sistema binário de computador, que usa zeros e ums (0,1). No caso dos neurônios, eles podem disparar ou não potenciais de ação.

Como exemplos de “informações residindo em padrões de atividade e estrutura do cérebro”:

  • a memória não é uma gravação, como um vídeo em uma pasta no seu computador. Ela é um padrão de ativação neural.
  • ao imaginar algo (“ver uma imagem na sua cabeça”), ocorre uma ativação no lobo occipital parecida com aquela que ocorre quando você realmente vê essa coisa.

“Querer e tentar são feedback loops*, como no princípio que fundamenta os termostatos: recebem informações sobre a discrepância entre um objetivo e o estado corrente do mundo e então executam operações que tendem a reduzir a diferença. A mente é conectada ao mundo pelos órgãos dos sentidos, que fazem a transdução, ou transformação, de energia física em estruturas de dados no cérebro, e por programas motores, por meio dos quais o cérebro controla os músculos.”

*Feedback loops é um termo da informática para a ocorrência de retorno de um ponto de saída para a entrada.

Essa ideia geral que o Pinker apresenta é parte da teoria computacional da mente.

Dois pontos para dar atenção:

  • Teoria, em ciência, não é “só uma ideia”, como no senso comum. Teoria computacional da mente, assim como a teoria da evolução das espécies, não tem a mesma validade de qualquer outra teoria. Ela é um corpo de conhecimento que inclui uma base filosófica razoável, hipóteses testáveis e dados empíricos.
  • Teoria computacional da mente não é a metáfora computacional da mente. Não é que a mente funciona exatamente como um programa de computador, mas sim que é possível explicar a mente e processadores de informação fabricados por nós (como os computadores) usando alguns dos mesmos princípios. Mesmo sendo imperfeita, a metáfora do computador (o cérebro é o hardware, a mente é o software) é útil em muitos casos, principalmente para introduzir a ideia.

A computação moderna foi fundamental para a revolução cognitiva e para podermos entender a mente como algo físico. Também foi fundamental para o surgimento de uma família de disciplinas conhecidas como ciências cognitivas: filosofia, psicologia, inteligência artificial, neurociência, antropologia e linguística.

Os computadores são cada vez mais inteligentes e cada vez mais mostram que são capazes de realizar processos cognitivos que antes só pareciam possíveis para a mente humana. Eles são capazes de fazer julgamentos, reconhecer rostos, raciocinar de forma complexa, compor sinfonias ao estilo de Mozart, desenhar pessoas e paisagens, criar anúncios publicitários criativos etc (ainda estão com dificuldade de resolver captchas com placas de trânsito, mas você está ensinando a eles quando resolve os que lhe aparecem).

Pinker termina esse trecho do livro assim:

“nada disso implica que o cérebro funciona como um computador digital, que a inteligência artificial um dia duplicará a mente humana ou que os computadores são conscientes no sentido de ter experiência subjetiva em primeira pessoa. Mas indica que o raciocínio, inteligência, imaginação e criatividade são formas de processamento e informação, um processo físico bem compreendido. A ciência cognitiva, com a ajuda da teoria computacional da mente, exorcizou pelo menos um fantasma da máquina.”

Alguns livros que recomendo para sobre o tema:

About the Author

Tiago Azevedo
Tiago Azevedo

Doutorando, mestre e graduado em Psicologia. Especializando em Neurociências. Vi na internet o melhor meio possível para conversar sobre a mente e o comportamento humano. Acredito que o conhecimento científico pode (e deve) ser compartilhado, e não ficar limitado a laboratórios de pesquisa e consultórios de psicoterapia. Há anos trabalho no "Universo da Psicologia", um projeto de divulgação da Psicologia em várias plataformas (blogs, Youtube, podcast, redes sociais etc) que soma mais de 200.000 seguidores.

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