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“A psicoterapia é um tratamento biológico, uma terapia cerebral” – Eric Kandel

Eric Kandel é o autor da “bíblia das neurociências“, livro básico para todo mundo que quer entender o cérebro. O véio é brabo.

(E é muito simpático, ainda mais porque usa gravata borboleta, assim como Aaron Beck)

Eric Kandel (autor da “bíblia das neurociências”) e Aaron Beck (psiquiatra, criador da Terapia Cognitivo-Comportamental). Impossível não amá-los.

Em um artigo maravilhoso, dentro de um tópico chamado “Ligações da neurociência aos distúrbios da mente: psiquiatria, psicanálise e psicoterapia”, Kandel fala sobre a biologia dos transtornos mentais (inclusive, ele fala da importância do Beck, mas não vem ao caso no momento).

Avisos:

  1. alterei a formatação para tornar a leitura e o entendimentos melhores
  2. não precisa se preocupar tanto em entender os detalhes, a princípio. Só os mantive para dar maior suporte à afirmação mais importante que quero que você leia, que é a última frase da citação do Kandel – o item 3)

Veja alguns trechos bem interessantes:

“(…) agora estamos começando discernir um circuito neural complexo que se torna desordenado nas doenças depressivas. (…) cientistas usaram técnicas de escaneamento cerebral para identificar vários componentes deste circuito, dois dos quais são particularmente importantes.

  1. Uma é a Área 25 (a região cingulada subcalosa), que medeia nossas respostas autonômicas e motoras ao estresse emocional;
  2. a outra é a ínsula anterior direita, região que se torna ativa durante tarefas que envolvem autoconsciência bem como tarefas que envolvem experiência interpessoal.

Esses duas regiões se conectam a outras regiões importantes do cérebro, todas elas podendo ser perturbadas na doença depressiva.

Em um estudo recente de pessoas com depressão, Mayberg deu a cada pessoa terapia cognitivo-comportamental ou um medicamento antidepressivo. Ela descobriu que:

  • as pessoas que começaram com atividade abaixo da média na ínsula anterior direita responderam bem à terapia cognitivo-comportamental, mas não ao antidepressivo.
  • Pessoas com atividade acima da média responderam ao antidepressivo, mas não à terapia cognitivo-comportamental.

Mayberg poderia realmente prever uma resposta  da pessoa a tratamentos específicos para depressão a partir da atividade de linha de base em sua ínsula anterior direita. Embora precisemos imaginar descobrir o que causa essa atividade de linha de base diferencial, os resultados nos mostram várias coisas importantes sobre os transtornos mentais.

  1. Primeiro, os circuitos neurais que são perturbados provavelmente são muito complexos.

  2. Em segundo lugar, podemos identificar fatores biológicos específicos e mensuráveis, marcadores de um transtorno mental, e esses biomarcadores podem prever o resultado de dois tratamentos diferentes: psicoterapia e medicamento.

  3. Terceiro, a psicoterapia é um tratamento biológico, uma terapia cerebral. Produz mudanças físicas que podem ser detectadas com imagens do cérebro.”

Este último ponto é para onde eu mais gostaria de chamar atenção. É um outro ótimo exemplo do que eu quero mostrar: uma psicologia concreta.

A separação entre corpo e mente, onde a mente parece uma entidade imaterial, é um grande problema para entender psicologia. Falei disso no vídeo sobre O Erro de Descartes:

Essa separação entre corpo e mente é um dos grandes motivos pelos quais muita gente não entende como intervenções psicológicas, como a psicoterapia, podem realmente mudar algo concretamente.

Elas podem, e elas mudam. Mexer na mente é mexer no cérebro.

Seja você estudante/profissional da psicologia ou apenas alguém interessado no assunto e autodidata, entender a psicologia concreta é fundamental. Sem isso, vai faltar um baita pedaço e você não vai conseguir entender muita coisa.

Já falei disso em outros momentos:

A Psicologia precisa da Biologia? (podcast)

Alguns vídeos:

Como funciona o efeito placebo? Como a mente afeta o corpo?

Preciso acredita para o efeito placebo funcionar?

Nojo e moral: As emoções afetam seu julgamento

Por que esse aqui tá na lista? Porque as emoções estão no corpo. Muita gente (incluindo eu, por muito tempo) não vê as emoções como algo concreto, mas como abstrações, coisas “soltas no ar”.

Por isso, por exemplo, falar em “somatizar emoções” (transformá-las em reações físicas) não faz muito sentido. Até o nome psicossomática é ruim, porque pressupõe que mente (psico) e corpo (soma) são coisas separadas.

*

Você já tinha pensado nisso? Já tinha pensado na psicoterapia como um tratamento biológico? Já tinha pensado em uma psicologia concreta dessa forma?

Comenta aí, vamos conversar 😉

 


 

O artigo do Kandel é o The New Science of Mind and the Future of Knowledge, uma das muitas estupendas indicações do Altay lá na sessão “Coisas pra vida” do Cientística.

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About the Author

Tiago Azevedo
Tiago Azevedo

Doutorando, mestre e graduado em Psicologia. Especializando em Neurociências. Vi na internet o melhor meio possível para conversar sobre a mente e o comportamento humano. Acredito que o conhecimento científico pode (e deve) ser compartilhado, e não ficar limitado a laboratórios de pesquisa e consultórios de psicoterapia. Há anos trabalho no "Universo da Psicologia", um projeto de divulgação da Psicologia em várias plataformas (blogs, Youtube, podcast, redes sociais etc) que soma mais de 200.000 seguidores.

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