Por que 26 alunos tiveram “crise de ansiedade” e passaram mal ao mesmo tempo?
26 alunos passam mal em escola ao mesmo tempo. O SAMU diz que eles tiveram crise de ansiedade e precisaram de socorro.
Como explicar isso?
Os 26 alunos de uma escola estadual de ensino médio em Recife passaram mal no dia 08/04/22. Apresentaram sudorese, taquicardia, falta de ar, tremor e crise choro (g1).
A explicação mais rápida a aparecer é que eles tiveram uma crise de ansiedade. Ok. Mas como 26 alunos passam mal ao mesmo tempo?
A explicação mais rápida a aparecer é: pandemia. Ok. Mas como apenas esses 26 alunos passam mal se é uma pandemia global?
Dois fenômenos ajudam:
Sugestão e contágio emocional
A sugestão é um fenômeno de indução, uma forma de influência que exercemos e recebemos o tempo todo. O exemplo mais marcante é a hipnose.
O contágio emocional é a disseminação da emoção de uns para os outros. É outro fenômeno que acontece o tempo todo. Alguém triste pode te deixar triste, alguém feliz pode te deixar feliz.
Pode parecer, mas não é nada mágico. Sugestão e contágio emocional acontecem porque temos um sistema nervoso que recebe informações do mundo e responde a elas.
Exemplo: os neurônios-espelho ajudam a explicar porque tendemos a imitar as emoções das outras pessoas.
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Pra quem quer saber mais…
Histeria coletiva?
Eu sei, o nome histeria soa mal. Mas é o termo que temos pra hoje.
O David Barlow tem um ótimo livro sobre psicopatologia, que inclusive usei na faculdade e em episódios de podcast sobre transtornos mentais . No livro, a histeria coletiva (ou histeria em massa) é mencionada e explicada.
“Na Europa, grupos inteiros de pessoas eram simultaneamente compelidas a saírem na rua, dançando, gritando, delirando e pulando em padrões como se estivessem em uma festa selvagem tarde da noite (hoje é a chamada festa rave, mas acompanhada de música). Esse comportamento era conhecido por diversos nomes, inclusive Dança de São Vito e tarantismo. O mais interessante é que muitas pessoas se comportavam dessa maneira estranha de uma vez.”
Era como uma rave instantânea.
Histeria em massa em tempos modernos
Em uma sexta-feira à tarde, um alarme soou avisando todos os médicos de um hospital comunitário para que comparecessem à sala de emergência imediatamente. De uma escola local em uma frota de ambulâncias chegavam 17 alunos e 4 professores que diziam sentir tontura, cefaleia, náusea e dores de estômago; uns vomitavam e outros hiperventilavam.
Todos os alunos e professores haviam estado em quatro salas de aula, duas de cada lado do corredor. O incidente começou quando uma garota de 14 anos disse que sentia um cheiro estranho que vinha de um respiradouro. Ela caiu no chão, gritando e reclamando que seu estômago doía e seus olhos ardiam. Logo, muitos alunos e a maioria dos professores das salas de aula adjuntas, que podiam ver e ouvir o que estava acontecendo, vivenciaram sintomas semelhantes.
De 86 pessoas suscetíveis (82 alunos e 4 professores das quatro salas de aula), 21 pacientes (17 alunos e 4 professores) vivenciaram sintomas graves suficientes para serem atendidos em um hospital.
A inspeção do prédio da escola pelas autoridades de saúde pública revelou que não houve causa aparente para tais reações, e os exames físicos realizados pela equipe de médicos não revelaram anormalidade física. Todos os pacientes receberam alta e rapidamente se recuperaram”.
Parecido com o caso dos 26 alunos de Recife, né?
“Quando esse tipo de experiência chega a um completo surto de pânico, comunidades inteiras são afetadas. Pessoas são também sugestionadas quando estão em estados emotivos elevados. Portanto, na medida em que uma pessoa identifica a “causa” do problema, outras provavelmente presumem que suas próprias reações têm a mesma origem.”
Outra causa para essas reações é evolutiva. Nossos cérebros são criados para obter informações do mundo, tentar entendê-lo e se adaptar da melhor forma possível a ele, mas isso nem sempre é racional. Captar informações dos nossos semelhantes, responder a elas e imitá-los tem enorme valor para a nossa espécie.
Dessa forma, já temos algumas das explicações para a crise de ansiedade dos 26 alunos de Recife. Todas essas causas – evolutivas, biológicas, psicológicas e sociais – estão interligadas, da mais distante (evolução da espécie) à mais próxima (reação à sugestão e contágio emocional).
As explicações mais comuns que aparecem só explicam uma parte do fenômeno, geralmente psicologizando demais. Este é mais um dos milhões de exemplos que venho dando sobre a necessidade de uma psicologia concreta e integrada.
O livro do Barlow é esse:
A capa da 7ª edição era bem mais bonita, mas recomendo pegar essa nova edição. Ela inclui o Stefan Hofmann, uma baita adição ao time.
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2 Comments
Admiro grandemente seu trabalho, Tiago! Te sigo no Instagram, You tube, Facebook e há um bom tempo recebo por e-mail seus textos! Seu compartilhamento sobre assuntos de psicologia são maravilhosos e espero que você continue postando e compartilhando ! Seus conteúdos me ajudam muito e posso dizer que eles, positivamente, fazem parte no meu processo de autoconhecimento! Nunca desista desse seu lindo trabalho! (Silvana Almeida)
Valeu, Silvana!