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“A hipótese espantosa” sobre mente e matéria (e os fatos)

Anteriormente, falei sobre como a mente pode ser física através da teoria computacional da mente, usando como base principal o livro Tabula Rasa do Steven Pinker.

Pouco depois de apresentar uma primeira grande ideia (“O mundo mental pode ser alicerçado no mundo físico pelos conceitos de informação, computação e feedback), baseado na materialidade dos computadores, Pinker apresenta outra grande ideia sobre mente e matéria.

Foto por geralt no Pixabay

Uma segunda ponte entre mente e matéria: a neurociência

(especialmente a neurociência cognitiva, na qual se estuda como cognição e emoção são implementadas no cérebro).

Ele menciona o livro de Francis Crick chamado “The Astonishing Hypothesis” (“A hipótese espantosa”), que faz alusão à ideia de que todos nossos pensamentos e sentimentos, desejos e sonhos consistem em atividade fisiológica do cérebro. Para os neurocientistas isto já é ponto pacífico, mas para a maioria das pessoas que pensa nela pela primeira vez, esta realmente é uma ideia espantosa.

Pode-se afirmar que a atividade de processamento de informação do cérebro causa a mente, ou se pode afirmar que ela é a mente, mas em qualquer dos casos são incontestáveis os indícios de que todo aspecto de nossa vida mental depende inteiramente de eventos fisiológicos nos tecidos do cérebro“.

Alguns exemplos ilustrativos:

  • Enviar uma corrente elétrica diretamente no cérebro pode gerar experiências mentais vívidas, como na “vida real”.
  • Substâncias químicas que afetam o cérebro podem alterar raciocínio, humor, percepção e personalidade. Exemplos incluem drogas ilícitas, álcool, cafeína, medicamentos como antidepressivos e ansiolíticos, lítio).
  • A perda de tecido cerebral pode gerar perda de “partes da mente”. Um exemplo comum é o Alzheimer, mas existem vários distúrbios neurológicos impressionantes que podem ter efeitos como:
    • perda de capacidade de reconhecer rostos (mas reconhecer voz),
    • de dizer o nome de objetos, de ter empatia,
    • de prever o resultado de seu comportamento,
    • de perceber realisticamente partes do próprio corpo (há pessoas com membros amputados que acreditam absolutamente que ainda possuem estes membros),
    • de tomar decisões simples quando falta emoção para apoiar a racionalidade etc.
  • Pinker não citou um dos exemplos mais impactantes da história das neurociências: o cérebro dividido. Pessoas que perderam a conexão normal entre os hemisférios cerebrais (através do corpo caloso) tiveram seu “eu” dividido. Os dois lados do corpo se contradiziam, se comportavam de forma diferente, e a pessoa não tinha consciência total disso.

Outro erro de Descartes: a mente é divisível!

Baseado nestes exemplos (e o cérebro dividido talvez seja o mais destacado deles), Pinker afirma que Descartes estava errado ao dizer que “a mente é inteiramente indivisível” e, portanto, tinha de ser totalmente distinta do corpo.

“Toda emoção e todo pensamento emitem sinais físicos, e as novas tecnologias para detectá-los são tão precisas que podem praticamente ler a mente de uma pessoa e dizer a um cientista cognitivo se a pessoa está imaginando um rosto ou um lugar”

Eu adicionaria aqui, por curiosidade, a capacidade impressionante de detectar conteúdo de sonhos através de estudos de neuroimagens. Por meio da atividade encefálica, é possível ter uma significativa proporção de acertos ao indicar o que uma pessoa está sonhando.

O eu dentro de mim / O homúnculo na sala de máquinas

Pinker termina essa sessão respondendo a ideia comum de um “eu comandante” que fica em uma cabine de comando no cérebro mexendo em alavancas e controlando tudo. É como se você fosse um megazord (os robôs gigantes dos Power Rangers), mas dentro de você está seu “verdadeiro eu” (o power ranger que comanda o megazord).

Apesar do fato de que ser um megazord e power ranger ao mesmo tempo seria legal demais, essa ideia não é boa para explicar como funcionamos. Ela é vulnerável à crítica do homúnculo: se tem um “homenzinho” dentro da minha mente que me controla, quem controla o homenzinho? Daí precisamos de outro “homenzinho” ad infinitum.

Essa é uma crítica comum de behavioristas/analistas do comportamento ao mentalismo, mas ela já não faz sentido há muitas décadas. No meio científico não é comum nem aceitar o mentalismo imaterial nem um homúnculo interior. Principalmente pela contribuições da neurociência cognitiva, defende-se que o eu/self é resultado de uma rede de sistemas cerebrais (ou é a própria rede em funcionamento).

Pinker disserta sobre isso usando o caso Phineas Gage, um dos mais famosos da história da neurologia.

Phineas Gage foi um funcionário de uma ferrovia que teve uma barra de ferro atravessada pelo seu cérebro. Manteve intactas funções motoras, linguagem, percepção e memória.  Mas, como na famosa frase, “Gage não foi mais Gage”. Ele mudou em muitos aspectos.

“Um sujeito antes cortês, responsável e ambicioso tornou-se um homem rude, irresponsável e indolente. Fez isso empalando seu córtex pré-frontal ventromedial, a região do cérebro acima dos olhos que hoje sabemos ter participação no raciocínio sobre as outras pessoas. Junto com outras áreas dos lobos pré-frontais e do sistema límbico (a sede das emoções), essa região prevê as consequências das ações de seu possuidor e seleciona o comportamento conforme seus objetivos.”

Nós sentimos que somos um eu único. Mas esse eu, e inclusive a sensação de eu, são resultados da interações de diversas partes do cérebro.

Pinker exemplifica casos em que pode-se ver correlações entre estrutura cerebral e funções mentais:

  • No cérebro de Albert Einstein, áreas que participam do raciocínio espacial e das intuições sobre números (lóbulos parietais inferiores) eram grandes e tinham um formato incomum.
  • Assassinos e outras pessoas antissociais (antissocial aqui não está no sentido do uso comum, mas no sentido relacionado ao transtorno de personalidade antissocial e psicopatia) violentas tendem a possuir a parte do cérebro que controla a tomada de decisões e inibição de impulsos (córtex pré-frontal) em tamanho menor e menos ativa.

Um último ponto mencionado por Pinker, e talvez o mais interessante, é o aprendizado.

“Aprendizado é uma mudança em alguma parte do cérebro”.

Acho isso fantástico. Dá até para ver o cérebro criando memórias!

“Agora, finalmente, a neurociência está começando a alcançar a psicologia, descobrindo mudanças no cérebro subjacentes ao aprendizado. (…) as fronteiras entre trechos do córtex dedicados a diferentes partes do corpo, talentos e até sentidos físicos podem ser ajustadas pelo aprendizado e pela prática.”

Isto é possível porque existe a neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de mudar sua estrutura (e funções, claro) ao longo da vida. E aqui vai um último ponto, que toca especialmente à psicologia.

Olhar só para o cérebro não é suficiente para entender psicologia, mas é necessário. Algo que falta muito na psicologia brasileira, mas é essencial no campo científico, é a comunicação com outras áreas.

Uma área do conhecimento não pode se sustentar sozinha. Não é possível fazer uma psicologia decente ignorando (ou mesmo contradizendo) o resto da ciência.

Dessa ignorância surgem vários e grandes problemas, como uma psicologia abstrata onde vale tudo (e paradoxalmente, tudo passa a valer pouco), onde há impossibilidade de entender que fenômenos psicológicos são concretos (“Ué? Como que a mente pode afetar o corpo?!”) e, consequentemente, passe-se a ver questões psicológicas como meras abstrações sem importância (“depressão é frescura”, “isso é só coisa da sua cabeça”, “basta pensar positivo!”).

A psicologia precisa de cérebro. E também precisa entender que:

  • a mente não é algo abstrato existente em uma terra sem lei da imaterialidade,
  • a mente está em um cérebro,
  • o cérebro é afetado por um monte de coisas (de elementos físicos e químicos e condições biológicas à históricas e sociais).

Livros que recomendo para te ajudar a pensar sobre o tema (justamente com essa bolota de carne eletroquímica aí dentro do seu crânio!):

About the Author

Tiago Azevedo
Tiago Azevedo

Mestre e graduado em Psicologia. Vi na internet o melhor meio possível para conversar sobre a mente e o comportamento humano. Acredito que o conhecimento científico pode (e deve) ser compartilhado, e não ficar limitado a laboratórios de pesquisa e consultórios de psicoterapia. Há anos trabalho no "Universo da Psicologia", um projeto de divulgação da Psicologia em várias plataformas (blogs, Youtube, podcast, redes sociais etc) que soma mais de 200.000 seguidores.

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