O “mistério da irracionalidade”: quando a razão não está na razão
Um caso de transtorno de acumulação
“Melanie, uma musicista de meia-idade e consultora contábil autônoma, morava em uma casa cujas salas comuns estavam cheias de caixas com os pertences de sua mãe. Ainda assim, Melanie reconheceu a irracionalidade de sua própria relação com bens materiais:
‘Minha coleção de cavalos de brinquedo da época em que eu era pequena?Não é grande, mas está numa caixa no sótão. Que não pode sair. Toda vez que abro aquela caixa pensando “Posso dar isso para alguma criança”, percebo que não consigo. Então eu entendo de onde minha mãe tirava essas coisas.’
Como explicar a psicologia humana quando falta a razão?
Nas belas palavras de Sasha Newell:
“a ilusão de um domínio racional sobre meras coisas se desintegra sob o peso da matéria, e os humanos são forçados a admitir que são eles que estão sujeitos à agência dos bens que os possuem.
De fato, meus entrevistados frequentemente expressaram frustração e constrangimento por sua incapacidade de articular por que eram compelidos a guardar muitas das coisas que guardavam, indicando uma gama afetiva de atividade mental isolada de sua autorrepresentação racionalista.”
Uma razão pela qual tantas vezes não entendemos a razão para o que as pessoas fazem é justamente a busca pela razão das pessoas. A pessoa que age pode não saber porque age. E mesmo quando “a razão” aparece em seu discurso, pode ser uma explicação equivocada.
A razão pode não estar na razão, mas no afeto. Pode não ser uma questão de saber, mas de sentir.
Desse modo, a razão/causas/explicação do fenômeno psicológico deve considerar o que a própria razão do indivíduo desconhece.
Esse misteriosismo ao se pensar em psicologia humana é muito frequente. Parece que somos muito resistentes à aceitar nossa irracionalidade.
Outro lugar comum é a questão: “por que psicopatas são assim?” Mais uma vez, busca-se razão quando a melhor explicação está no afeto (na falta dele).
Sasha Newell (2018). The Affectiveness of Symbols: Materiality, Magicality, and the Limits of the Antisemiotic Turn
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