O que significa “O todo é maior do que a soma das partes?” (não é o que você pensa, provavelmente)
“O todo é mais do que a soma das partes” (ou “O todo é maior do que a soma das partes“) é uma frase relativamente famosa (assim como Aristóteles, seu autor). Entretanto, na Psicologia, o cara mais associado a essa ideia (Kurt Kofka) e o real significado da frase são bem desconhecidos.
Esta frase é um princípio básico da Psicologia da Gestalt, que foi uma área de estudo que focou muito em formas e percepção. Nesse contexto, falar que “o todo é maior do que a simples soma das partes” faz todo sentido, e olhando aí que poderemos entendê-la.
A minha ideia de falar sobre isso veio enquanto assisto a segunda aula do curso de Estatística aplicada à Psicobiologia, da UNIFESP, que estou fazendo (principalmente) para o meu mestrado.
Antes de falar da Psicologia da Gestalt, o Altay (professor do curso) falava sobre variáveis e fatores emergentes. Simplificando, podemos pensar em coisas que vemos diretamente no mundo e coisas que emergem da combinação de outras.
Um exemplo da física: F = MA (Força é igual Massa x Aceleração). Vemos a massa diretamente, mas não a força. Força é um fator que emerge da combinação entre massa e aceleração.
Lá pelo minuto 26, o professor Altay começa a falar sobre a Psicologia da Gestalt. Segundo ele, traduziram errado do alemão o que o Kofka realmente queria dizer: observar o todo e observar as partes são processos fenomenológicos diferentes.
Ele dá um ótimo exemplo: relógio desmontado é diferente de um relógio montado fenomenologicamente (geram percepções diferentes). Do relógio montado emerge o tic tac, o movimento dos ponteiros. Ao observar os ponteiros pode emergir NA SUA MENTE o tic tac, uma ilusão perceptual a partir da percepção fenomenológica do relógio como um todo. Não são todas as culturas que imaginam o tic tac.
Dizer que “O todo é maior do que a simples soma das partes” ou que “O todo é mais do que a soma das partes” pode levar a um entendimento equivocado. Podemos achar que UMA PEÇA a mais surge no mundo, ou que a natureza das coisas não é redutível aos seus componentes materiais (e o fator emergente pode parecer algo abstrato, como força ou inteligência).
Este é um ótimo exemplo da Psicologia Concreta, da qual venho falando bastante nas redes sociais nas últimas semanas. Grande parte da Psicologia se perdeu nos termos abstratos e muita gente nem chega a descobrir o que tem de concreto nesses termos.
“Inteligência” parece uma coisa abstrata, mágica, inexistente. “Cadê a indigência?! Não consigo ver nem pegar!” Mas é a mesma coisa com a força, na física. São conceitos abstratos, mas que envolvem variáveis materiais, que você pode ver, pegar etc. Na inteligência você tem, por exemplo, elementos como fluência verbal, velocidade de processamento de informações e solução de problemas – e todos eles são materiais, concretos e mensuráveis.
A Psicologia, principalmente no Brasil, carece de concretude. Fala-se muito de abstrações que (a) parecem não representar nada no mundo material, (b) não se sabe exatamente o que é ou (c) tem um significado para cada pessoa que fala sobre o tema. Isso é um baita problema. Este é um dos motivos pelos quais continuarei falando desse tema: para mostrar uma Psicologia que fala do mundo concreto e, assim, nos permite fazer mudanças concretas nele.
About the Author
4 Comments
[…] uma explicação do significado da expressão “O todo é maior do que a soma das partes” (spoiler: não surge nada imaterial […]
Kurt kofka….. Você quis dizer Aristóteles…..certo?
Verdade! Aristóteles já tinha dito isso antes. Obrigado por comentar, adicionei ao texto.
excelente texto!