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Psicotecnologia (é muito legal, mas não tem nada a ver com celular e fritadeira elétrica)

Você já ouviu falar de Psicotecnologia? Se você ler na Wikipedia brasileira, vai ler que Psicotecnologia (ou Tecnopsicologia) refere-se a estudos realizados pela psicologia acerca dos efeitos da tecnologia na mente humana.

Eu estudo isso aí (o tema central do meu mestrado e doutado foi/é dependência digital), mas chamamos isso de Cyberpsicologia, não de Psicotecnologia.

O que é Psicotecnologia então?

Claro, nomes são nomes. Pessoas diferentes usam o mesmo termo para coisas diferentes. No nosso caso aqui, é bom tentar esquecer tecnologia como costumamos pensar nela (celulares, computadores, carros elétricos, óculos de realidade virtual, robozinho aspirador etc).

Vou falar a partir do livro Filosofía de la Psicología, do Mário Bunge. Mais especificamente, do capítulo intitulado Psicotecnología.

(destaques meus)

“Quase todas as disciplinas científicas separaram as suas funções puras das suas funções aplicadas. É o caso da física e da engenharia, da biologia e da medicina, etc. Na psicologia, é comum que a mesma pessoa seja simultaneamente investigadora e profissional, como alguém que é simultaneamente físico e engenheiro.”

Quando pensam em psicologia, em geral as pessoas pensam em psicoterapia – que é apenas um dos ramos de apenas uma das formas de psicologia: a psicologia aplicada.

Também é comum que os psicólogos clínicos tomem uma abordagem clínica como se fosse toda a ciência psicológica. Por exemplo, acreditando que Terapia Cognitiva é Psicologia Cognitiva.

Explico isso aqui:

“No início do século, Titchener, discípulo de Wundt, insistia em separar a psicologia, que era uma ciência básica de laboratório, da psicotecnologia, que era a aplicação dos conhecimentos assim adquiridos à educação, à prática clínica, à sociedade, à justiça, à indústria, etc.”

Se por um lado é necessário saber que existe diferença entre as duas formas de psicologia (ciência básica e psicologia aplicada), por outro é muito benéfico conhecer as duas e integrá-las.

“Com o tempo, muitos psicólogos rejeitaram a posição de Titchener e insistiram em exercer a sua atividade como cientistas e profissionais. Até os modelos de formação de psicólogos adotaram esta posição. A American Psychological Association estipulou que a formação deve incluir tanto a experiência científica como a experiência profissional, de modo que um doutor (Ph.D.) de um programa acreditado terá sido formado tanto numa como noutra.”

(Uma curiosidade necessária aqui: nos Estados Unidos, é preciso de um doutorado para ser psicólogo clínico. Pode ser um modo específico [o PsyD em vez do PhD], mas é diferente do Brasil, onde se pode atender em psicologica clínica tendo só a graduação em psicologia.)

O estranho é que a importância da ciência básica para a prática profissional não parece tão clara na nossa formação. Aprender sobre pesquisa científica não te ajuda só a seguir uma carreira acadêmica, mas também a fazer uma psicologia aplicada melhor.

“Assim, um doutor em psicologia clínica, para além de conhecimentos de fisiologia, psicologia experimental, métodos de investigação, perceção, aprendizagem e psicologia social, deverá também ter conhecimentos de matemática e informática, bem como formação em métodos diagnósticos e terapêuticos e um estágio de um ano. Isto era o que se exigia para que um psicólogo fosse simultaneamente um cientista e um clínico, e para que a psicologia fosse simultaneamente uma investigação e uma prática.”

Aí o bicho pega. Um dos motivos é que psicólogos se colocam (por que são colocados) em caixinhas, do tipo: “Eu sou de humanas!” O “problema” (um problema muito legal, na minha visão) é que a Psicologia é uma Hub Science, uma ciência de conexões, que pega biologia, humanidades, matemática/estatística e etc. Quando não entendemos que a Psicologia está em vários campos do conhecimento, ficamos como os cegos tateando o elefante.

 

(Ok, esse último foi só pra brincar de assustar um pouco. 99.9% dos psicólogos nunca precisará ler isso na vida.)

Por fim, um trecho de um livro meu, o Psicologia Prática:

“A ciência básica é maravilhosa. É incrível poder entender o mundo só pelo prazer de entender. Mas também precisamos de ciência aplicada, de tecnologia. E é isso que temos aqui: tecnologia psicológica/comportamental. Eu sei que te parece estranho associar tecnologia com psicologia, mas tecnologia não é só computador, celular, fritadeira elétrica e carro voador. Tecnologia é um conjunto de métodos, processos, instrumentos e técnicas para resolver problemas e realizar objetivos.

Para Aristóteles, a palavra techné (de onde vêm a palavra tecnologia) também significa saber o porquê das coisas, as regras que nos permitem produzir resultados. Segundo ele, quem sabe as regras é superior à quem só aplica as técnicas. Por isso, além das técnicas em si, você entenderá porque elas funcionam, os princípios por trás do que você vai fazer.”

Faz sentido pra você agora o termo Psicotecnologia?

Ps.: fritadeira elétrica teve um grande impacto psicológico positivo na minha vida.

About the Author

Tiago Azevedo
Tiago Azevedo

Doutorando, mestre e graduado em Psicologia. Especializando em Neurociências. Vi na internet o melhor meio possível para conversar sobre a mente e o comportamento humano. Acredito que o conhecimento científico pode (e deve) ser compartilhado, e não ficar limitado a laboratórios de pesquisa e consultórios de psicoterapia. Há anos trabalho no "Universo da Psicologia", um projeto de divulgação da Psicologia em várias plataformas (blogs, Youtube, podcast, redes sociais etc) que soma mais de 200.000 seguidores.

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