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A amígdala é o centro do medo no cérebro? Seu descobridor diz que não

Joseph LeDoux foi muito importante para colocar a emoção nas neurociências. Mas suas ideias são frequentemente mal entendidas.

Foi LeDoux, junto com colegas, que descobriu as amígdalas cerebrais – duas ‘amêndoas” que existem na base do cérebro.

E o que tem essas amígdalas cerebrais?

Uma pergunta comum é: Qual parte do cérebro é responsável pelo medo? A resposta comum: amígdala. Mas será que é isso mesmo?

Claro, a amígdala desempenha um papel na produção do medo, assim como de outras emoções, como a ansiedade. Contudo, ela não é o “centro do medo” no cérebro. A função da amígdala é muitas vezes mal interpretada. Nas palavras do LeDoux:

“Costuma-se dizer que identifiquei a amígdala como o centro do “medo” do cérebro. Mas o fato é que eu não fiz isso, nem ninguém mais fez.”

Ele comenta sobre os experimentos, por exemplo: macacos pararam de apresentar a resposta de luta e fuga – uma reação de medo comum – como resposta à cobras. A seguir, ele comenta que houveram interpretações equivocadas sobre os resultados das pesquisas e explica:

“Na verdade, as pessoas respondem menos às ameaças quando a amígdala é danificada (em humanos, os danos na amígdala podem ocorrer como resultado de epilepsia ou outras condições médicas ou de tratamento cirúrgico). No entanto, essas pessoas ainda podem sentir (sentir) “medo”. Em outras palavras, a amígdala é uma parte importante do circuito que permite ao cérebro detectar e responder a ameaças, mas não é necessária para sentir ‘medo’.”

 

“A amígdala há muito é considerada um centro do medo. Mas se por medo entendemos o estado mental, o sentimento de medo, não é a amígdala a responsável. A amígdala detecta e responde ao perigo. O medo é uma interpretação cognitiva da situação externa e internamente”.

O medo como emoção tem aspectos inconscientes, enquanto o sentimento de medo é outra parte do processo:

“Estudos de imagens cerebrais de humanos saudáveis ​​(pessoas sem danos cerebrais) sugerem algo semelhante. Quando são expostos a ameaças, a atividade neural na amígdala aumenta e resultam em respostas corporais (como suor ou aumento da frequência cardíaca). Isto é verdade mesmo que os estímulos ameaçadores sejam apresentados subliminarmente, de modo que a pessoa não esteja consciente de que a ameaça está presente e não experimente (sinta) “medo” conscientemente. A atividade da amígdala não significa que o medo seja sentido.”

O medo é um processo complexo que envolve várias partes e sistemas.

“A conclusão de que a amígdala é o centro do medo no cérebro pressupõe erroneamente que os sentimentos de “medo” e as respostas provocadas pelas ameaças são produtos do mesmo sistema cerebral. Embora os circuitos da amígdala sejam diretamente responsáveis ​​pelas respostas comportamentais/fisiológicas provocadas pelas ameaças, eles não são diretamente responsáveis ​​pelos sentimentos de ‘medo’.”

O seu corpo pode sentir medo sem que “você” (seu eu consciente) perceba.

“Desde o início, a minha investigação sugeriu que a amígdala contribui para aspectos não conscientes do medo, o que significava a detecção de ameaças e o controlo das respostas do corpo que ajudam a lidar com a ameaça. O medo consciente (…) é um produto de sistemas cognitivos no neocórtex que operam em paralelo ao circuito da amígdala. Mas essa sutileza (a distinção entre aspectos conscientes e não conscientes do medo) foi perdida pela maioria das pessoas.”

Um resuminho com uma boa explicação sobre essa questão medo inconsciente x medo consciente (ou você pode chamar de medo só o sentimento de medo, não os aspectos inconscientes, como o próprio LeDoux prefere):

“A amígdala tem um papel no medo, mas não é aquele que é popularmente descrito. O seu papel no medo é mais fundamental e também mais mundano. É responsável por detectar e responder a ameaças e só contribui indiretamente para sentimentos de medo. Por exemplo, os resultados da amígdala impulsionados pela detecção de ameaças alteram o processamento de informações em diversas regiões do cérebro. Um conjunto importante de resultados resulta na secreção de substâncias químicas em todo o cérebro (norepinefrina, acetilcolina, dopamina , serotonina) e no corpo (hormônios como adrenalina e cortisol).”

A amígdala funciona como um centro, mas entre sistemas cerebrais e muitos outros, na geração de emoções no cérebro. Isso inclui sistemas envolvidos em funções como controle da frequência cardíaca e da pressão arterial, liberação de hormônios do estresse e comportamento de freezing (congelamento).

Agora, a parte mais interessante (pelo menos pra mim) – sobre o papel da cognição no sentimento de medo:

“Em situações de perigo, estes produtos químicos alertam o organismo de que algo importante está acontecendo. Como resultado, os sistemas de atenção no neocórtex orientam a busca perceptiva do ambiente para uma explicação para o estado altamente excitado. O significado dos estímulos ambientais presentes é acrescentado pela recuperação de memórias. Se os estímulos são fontes conhecidas de perigo, os esquemas de “medo” são recuperados da memória. A minha hipótese, então, é que o sentimento de “medo” resulta quando o resultado destes vários processos (atenção, percepção, memória, excitação) se aglutina na consciência e obriga a sentir ‘medo’. “

O sentimento de medo é uma resposta cognitiva aos estímulos detectados pela amígdala. O sentimento de medo é, segundo o LeDoux, resultado das interações entre vários sistemas que criam um circuito de memória de trabalho.

Isso envolve não só o ambiente imediato, mas sua história de vida. Ele envolve, por exemplo, as memórias que você já tem (o que envolve o hipocampo, p.ex.). O medo é, em parte, particular.

LeDoux explica:

“Para mim, muito mais está envolvido nas interpretações cognitivas: esquema de memória que integra informações sobre a situação, sobre o que são o perigo e o medo, sobre os perigos passados ​​​​que você enfrentou, como o corpo se sentiu. Os esquemas são o modelo pré-consciente a partir do qual o sentimento de medo surge. Porque ninguém mais tem o seu esquema, ninguém mais tem o seu medo. E só porque podemos traduzir a palavra medo entre idiomas não significa que pessoas em culturas diferentes tenham o mesmo sentimento de medo. Suas experiências pessoais e o esquema que resulta são, portanto, em parte moldados pela sua cultura (e subcultura/subculturas).”

Quando se fala em neurociência, é muito comum usar um discurso reducionista. Diz-se que “a amígdala é o centro de medo do cérebro”, “a dopamina é o neurotransmissor do prazer e da motivação” e “a ocitocina é o hormônio do amor”, entre outras. Ele mesmo diz algo do tipo:

“(…) na neurociência, (…) partimos de palavras de estado mental (como medo) que têm significados históricos e tratamos as palavras como se fossem entidades que vivem em áreas do cérebro (como a amígdala).”

Nenhum sistema cerebral atua por si só, mas em relação a outros. Portanto, é uma questão de interconexões entre sistemas. E ele, de novo, explica melhor do que eu:

“Desconfie de qualquer afirmação que diga que uma área do cérebro é um centro responsável por alguma função. A noção de que as funções são produtos de áreas ou centros cerebrais é remanescente da época em que a maioria das evidências sobre a função cerebral se baseava nos efeitos de lesões cerebrais localizadas em áreas específicas. Hoje, pensamos nas funções como produtos de sistemas e não como áreas.”

As pesquisas do LeDoux são importantes para fins terapêuticos. Se o medo fosse simplesmente só um produto da amígdala, seria bem mais difícil mudar nossa relação com ele.

Como eliminar o medo da mente?

Se o sentimento de medo depende da cognição, você pode alterar o medo se alterar a cognição. Em termos mais simples, você pode alterar o que sente alterando o que pensa. Isso pode envolver “técnicas cognitivas conscientes”, claro. Mas, no caso das fobias, tem algo muito interessante:

A melhor técnica para superar fobias não requer isso. Explico: parte da cognição é inconsciente. O seu sentimento de medo emerge dos processos inconscientes no seu corpo. Mas é possível alterá-los com técnica comportamental, “bem prática” e simples.

Essa alteração envolve, entre outras coisas, mudar a resposta comum da amígdala. Ou seja, não é só eliminar o medo da mente, mas também do corpo! Além de acabar com o sentimento de medo na fobia específica, é possível alterar as respostas fisiológicas inconscientes (que envolve “desativar” a amígdala cerebral nesses casos [mas não só, como vimos]).

Se você gosta da parte prática/tecnológica do conhecimento sobre neurociência e psicologia, somos dois. Não é atoa que escrevi um livro/ebook só sobre isso: se chama…Psicologia Prática!

Nele eu apresento 107 técnicas para mudar sua vida em diferentes áreas. Um capítulo é só sobre fobias. Ele tem só duas técnicas, mas elas já resolvem muita coisa. Um dessas técnicas envolve mudar conscientemente seus pensamentos, mas a outra (a mais efetiva) é comportamental, bem prática (no sentido popular do termo).

Fobia não costuma ser dos casos mais complexos de resolver. Na verdade, pode ser bem simples. O livro pode te ajudar com isso. Clique aqui para saber mais.


LeDoux, Joseph (2015). The Amygdala Is Not the Brain’s Fear Center.

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About the Author

Tiago Azevedo
Tiago Azevedo

Doutorando, mestre e graduado em Psicologia. Especializando em Neurociências. Vi na internet o melhor meio possível para conversar sobre a mente e o comportamento humano. Acredito que o conhecimento científico pode (e deve) ser compartilhado, e não ficar limitado a laboratórios de pesquisa e consultórios de psicoterapia. Há anos trabalho no "Universo da Psicologia", um projeto de divulgação da Psicologia em várias plataformas (blogs, Youtube, podcast, redes sociais etc) que soma mais de 200.000 seguidores.

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